Caminho...

20-10-2011 13:26
 
Caminho pelas ruas desertas da cidade. A noite mima-me com a sua brisa fresca e poluída. Os cheiros tornam-se mais intensos e os sons trepam pelos prédios altos. Fazem eco, correndo pelas ruas desnudas. A cidade parece meio adormecida. Gosto dela assim. Mais calma, mais atenta, menos barulhenta, menos agressiva. Caminho de olhos postos em cada pormenor que não se deixa adormecer. Caminho, atenta ao sons que a noite destapa e me dá a conhecer. Os grilos cantam uma melodia animada. Outros bichos saem à rua. Perdem a vergonha e contemplam a cidade antes da madrugada. Gosto deles. São naturais. Sobrevivem entre nós, escondendo o seu esplendor em buracos peçonhentos. Talvez tenham uma casa chique dentro desses buracos. Talvez não lhes falte nada. Talvez tenham um supermercado onde tudo está à sua disposição. Ou, talvez não. Talvez necessitem cruzar-se com seres gigantes, que lhes esborracham a vida com marcas de calçado baratas. Talvez sejam meros habitantes da cidade, aos quais ninguém presta atenção, mas que vivem ao nosso lado. Eu consigo vê-los, ouvi-los e contempla-los. São pequenos, mas têm uma capacidade de sobrevivência desmedida.
 
Caminho pelas ruas desertas da cidade, mas não caminho sozinha. Eles estão ali escondidos, a cantar para mim. E a noite ganha um brilho diferente. As ruas ganham vida. A cidade não adormece totalmente. Existe vida que não adormece. E caminho com um sorriso no rosto porque não estou sozinha e porque as ruas não estão, realmente, desertas.

 

Elsa Azevedo

 

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