"Passados quinze minutos, ouço o som pesado de uns passos a aproximarem-se da entrada do quarto. A porta, que parecia imóvel, ganhou movimento e por ela entrou o médico louro. Trazia vestido, em alternativa à bata branca, um casaco em pele preto que lhe chegava um pouco abaixo dos joelhos. Por baixo do casaco vestia apenas uma camisa, também ela escura, com os botões abertos quase até ao meio do peito, deixando a descoberto o desenho de uma tatuagem que lhe cobria parte do lado esquerdo. Era uma mistura de linhas que envolviam um demónio com olhos vermelhos fugazes. O desenho parecia ganhar vida e querer saltar-lhe do peito. As garras, que distinguira momentos atrás, pareciam estar cravadas na sua pele, criando rios de tinta vermelha que desciam até se perderem de vista debaixo da camisa. Ao seguir, com o olhar, o caminho para onde os rios de tinta se encaminhavam, fiquei perplexa ao ver um objecto brilhante na sua mão direita. Era algo semelhante a um punhal, de aspecto ancião, adornado com pequenas pedras coloridas que se assemelhavam a pedras preciosas. A sua curta dimensão permitia escondê-lo entre o casaco, passando despercebida a sua passagem entre os restantes membros do hospital. Apresentava um brilho tão mortal como o olhar do seu mestre. Tive a certeza de que aquele objecto tinha sido fabricado apenas com um objectivo: matar o que quer que fosse que se atravessasse à sua frente.
Numa tentativa de fuga completamente inútil, saltei da cama arrancando os tubos que me ligavam às máquinas. Senti uma dor profunda quando a agulha que unia o tubo do soro ao meu braço se partiu, deixando o meu sangue espalhar-se pelo chão. Num movimento rápido, tentei passar por aquele homem de aspecto mortal, mas um braço com uma força desumana agarrou-me pela cintura e lançou-me novamente para trás.
- Não vais a lado nenhum. – Grunhiu, enquanto se aproximava de mim com um olhar de fúria que me cortou a respiração."
Elsa Azevedo
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Imagens por: Pedro Pinheiro